quarta-feira, 22 de julho de 2015

O Ônibus 3.85 #3 - O Duradouro

- "Por quê?"
O motorista o encarava com olhos arregalados de incredulidade. Nunca, até aquele momento, alguém havia lhe feito qualquer tipo de indagação. Não podia acreditar que o dia que tanto temia chegaria tão rápido.
O rapaz se levantou e perguntou novamente, porém com o tom um pouco mais eloqüente:
- "Por quê?"
O motorista cerrou os olhos, apertando os punhos, mas conseguiu se conter. Não poderia deixar que o medo o dominasse, seria certo que perderia o posto. Olhou para os passageiros, que mantinham a mesma posição, como peões de estanho em um tabuleiro de xadrez, indiferentes e desinteressados.
- "Que bom" - pensou - "ainda estou no comando."
Voltou o olhar para o homem na sua frente, que o encarava com olhos de fornalha e fedia álcool.
- "Qual é o seu nome?"
O homem afrouxou os olhos, sentindo-se mais seguro, pois sabia que não perderia a carona.
- "Dante, mas pode me chamar pelo meu segundo nome" - E recebeu um soco no canto esquerdo do rosto, atingindo a face no ombro da garota que residia ao seu lado, obrigando-o a se sentar.
Em estado de semi-lucidez, se perguntou o que estava acontecendo e recebeu outro golpe, dessa vez atingindo-lhe a têmpora esquerda. Ninguém moveu um membro ou esboçou alguma reação. Nada.
Olhou para o próprio peito, onde abrigava uma camisa amarrotada de coloração vinho e a viu ficando ainda mais vinho. Estava sangrando. Voltou o rosto para cima e levantou os braços, obstruindo a passagem de um terceiro ataque.
Levantou-se e olhou para os olhos do seu agressor, que gargalhava enquanto atingia-lhe os braços com os pulsos encobertos por uma fina luva de motorista.
Uma gota de sangue escorreu de seu rosto e atingiu a manga da camisa, contraiu o ombro direito e, em seguida, esticou o braço, em um movimento cruzado, cortando o ar na direção da face do motorista. Lembrou-se dos dias de glória, dos bares e das festanças, quando algum de seus amigos participava de alguma briga por engano.
O motorista tropeçou para trás, devido o golpe que lhe fora dado no queixo e caiu zonzo.
- "Os dias passaram rápido demais, não houve tempo suficiente para treinar" - pensou, enquanto via um corpo vinho e de calças sociais voando na sua direção, pronto para esbofeteá-lo por mais alguns segundos.
Soltando um grito de ajuda, quase ordenando, se encolheu cobrindo o rosto com as mãos e encolhendo os joelhos na direção do peito, em posição fetal.
- "Alguém faça alguma coisa!"
Dante soltou uma risada e esticou as mãos na direção da jaqueta jeans do motorista. Piscou depressa para retirar um cisco do olho e disse:
- "Eu nem sei o que está acontecendo aqui! O senhor levantou do seu posto, perguntou meu nome, me deu alguns socos e ninguém na droga desse ônibus fez porcaria nenhuma, mas que droga de mundo é esse em que vivemos? Olha para todas estas pessoas aqui!" - disse apontando para todos e percebendo que todos o encaravam de volta, sentiu um leve calafrio. Dando um soco na face do motorista, continuou:
- "Venham e façam alguma coisa!"


Continua
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- Lágrimas de Gasolina



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