segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Ônibus 3.85 #4 - A Graciosa e a Cheia de Graça

O sinal para o intervalo soou, ouviram-se alguns gritares e assovios. As crianças levantaram-se das cadeiras, deixando o professor que implorava por atenção.
Saíram correndo na direção da porta, não dando a mínima atenção para o professor, que soltou um leve som de insatisfação regado com alivio.
Em poucos segundos a sala estava vazia. Olhou para os lados à procura de alguma alma compadecida e lá estava ela, no canto direito, próximo a janela, no fundo.
Ana, ainda sentada, aguardava o professor dar o sinal para se levantar.
Apoiando-se na mesa com ambos os palmos, olhou para a garota de olhos verdes.
- "Ei, Ana. Você pode sair, é hora do intervalo."
Ainda sobre a mesa, repousava um caderno com todo o conteúdo da aula, devidamente anotado.
Graciosamente, prestando total atenção nos lábios do professor, se levantou, arrumou a mochila e saiu.
Os olhos do professor a seguiram enquanto cruzava a porta e perguntou-se a razão de as outras crianças não serem iguais a aquela garotinha.
Uma mochila cor-de-rosa com alguns chaveiros dispostos de forma simples pendia sobre um dos ombros. Caminhava a passos rápidos, como se não quisesse ser incomodada, mas, na verdade, sua mente ainda trabalhava e Ana estava perdida em meio a tantos papeis mentais.
Colocando um pé na frente do outro, olhando para baixo. Este era o seu andar.
Puxou a manga que cobria o braço esquerdo, revelando um delicado relógio dourado e esticou os olhinhos para ver as horas. Estava atrasada e o corredor parecia infinito, talvez mais alguns passos e chegaria até o refeitório. Apertou ainda mais a corrida, entendendo perfeitamente o motivo de tanta correria feita pelas outras crianças, o intervalo é curto demais e não daria tempo para fugir da escola.
Sua mente vagueava pelas decisões que, mesmo ainda indevidamente medidas, já haviam sido tomadas. Para sua cabecinha de criança, seria o que chamamos de um grande feito. Talvez, um pequeno passo para qualquer pré-adolescente, mas um grande salto para uma criança de nove anos.
Quando se deu conta, já havia chego ao refeitório e dali já pôde ver o limiar de seu plano:
As portas de saída, que ainda estavam abertas.
Olhou para os arredores, como quem procura um fruto maduro em uma arvore. Não encontrou nenhum e correu na direção da porta. Atravessou-a utilizando-se de um salto, caindo com ambos os pés na calçada.
Correu em direção à esquina, ouvindo o sinal que gritava ao fundo, chamando os alunos para entrarem em sala, mas ela não, pois aquela garotinha de cabelos longos e castanho-escuros estava livre para fazer o que queria e nada a impediria.
Ana olhou para trás por um momento e viu uma face familiar e feminina vindo na direção dela, correndo a uma velocidade envelhecida, pós-adulta. Não havia tempo para pensar, simplesmente ergueu os pequenos pés e colocou-se em movimento.
Chegou ao meio fio e olhou para os lados em busca de esperança e para averiguar se nenhum automóvel viria em sua direção, pois iria atravessar a rua sozinha pela primeira vez.
Olhou para a esquerda e as ruas estavam desertas, alongou o pescoço para a direita e arrepiou-se. Não era um automóvel que acelerava em sua direção, mas sim uma ponta de esperança. Era o 3.85.
Rapidamente o ônibus parou à sua frente e abriu as portas como um super-herói-automóvel que veio justamente para salvar o dia. Colocou os pés sobre os primeiros degraus e sentiu um puxão, que provinha das hastes que prendiam suas costas e ombros à mochila.
A monitora segurava a alça superior da mochila e puxava a garota. Ana gritou e soltou a mochila, gritando mais uma vez enquanto as portas se fechavam. A monitora abraçou a mochila.
Ana nunca mais foi vista.


Continua
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-Lágrimas de Gasolina

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