domingo, 19 de janeiro de 2014

Fútil Realidade #3

Apertei forte sua mão e entrelacei meus dedos aos seus. Nenhuma força no mundo poderia me separar dela.
A chuva desistiu de participar do dia, e os guarda-chuvas mostraram-se obsoletos. Com a mão livre, baixei o cogumelo negro que segurava e fechei-o com um singelo clique. 


Mesmo depois de dez anos, os olhos de Brígida ainda borravam neste dia, turvejando-se como o céu nublado, que durante uma década manteve-se fiel em chover todos os dias 06 de Janeiro.


Pai não pode vir hoje. Um resfriado forte o deixou de cama, mas não era nada sério. Sentindo a angústia de Brígida em não poder homenagear a mãe, arrisquei-me dirigindo até o cemitério. Minhas aulas práticas começam apenas na próxima semana, mas Brígida merece.


Beijei uma rosa branca e depositei ao lado da foto de Mãe. Caminhamos a passos lentos até a entrada do cemitério, e, após passar o arco, Brígida rodou seu corpo e beijou meus lábios.
- Obrigado por me trazer, você é único!
Passei a mão suavemente por suas costas e sorri. Um sorriso fraco, mas ainda sim um sorriso.
- Você merece muito mais.
- Podemos tomar um sorvete, então? - Sorriu Brígida, com os olhos negros como a lua sorrindo em conjunto.


- Estava bom, anjo?
- Sim, o melhor! Obrigada, de coração.

Sorri. 
Depois da morte de mãe, as coisas foram meio estranhas. Risadas e sorrisos não haviam mais. Tudo ficou triste, preto e branco. Pai perdeu sua jovialidade, Brígida perdeu todo seu ânimo e eu perdi, pela segunda vez, minha mãe. 
Foram meses até a dor afunilar-se e iniciar um processo de contração. Pai não era o suporte que Brígida precisava, pois também tinha sua enorme dor. Ofereci meu ombro aos dois; tornei-me o melhor filho e o melhor irmão. 

Mas, com Brígida, as coisas repercutiram de maneira diferente. Esperava uma explosão de Pai quando contamos que estávamos namorando, mas, ao contrário de minha expectativa, vi seu olho brilhar novamente, e seu sorriso caloroso acender como uma fogueira, coisa que não acontecia há quase oito anos. 

Eu e Brígida, Brígida e eu, e Pai também quando não estamos envoltos em nosso casulo de amor. Aos poucos vencemos a dor, aprendemos novamente a ser feliz, pois era isso que Mãe iria querer. Nunca nos esqueceremos dela, mas aprendemos a tocar nossas vidas. 

Olhei para cima, e percebi que pela primeira vez em 10 anos, no dia 06 de Janeiro havia um imenso céu azul acima de minha cabeça.

Ajoelhei em frente a Brígida, na calçada que cruzava com a sorveteria, e, antes que o momento passasse, disse:

- Brígida, você aceita se casar comigo?

                                                                                                                                    Continua Aqui

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